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O pequeno clube brasileiro que enganou a Coreia do Norte – ‘Eles teriam ficado bravos se tivéssemos vencido’

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Todo mundo parece ter uma estimativa um pouco diferente de quantas pessoas estavam fora do estádio naquela estranha tarde de novembro, mas o consenso é que foi muita.

Enquanto o ônibus passava por entre a multidão, os jogadores de futebol brasileiros a bordo olhavam pelas janelas. Moradores locais – dezenas de milhares deles, segundo alguns relatos – inundaram as ruas. A maioria cumprimentou o ônibus com acenos tímidos. Alguns corriam ao lado, na esperança de avistar alguém que, de qualquer maneira, não teriam reconhecido.

Uma hora depois, esses mesmos jogadores atravessaram um longo túnel subterrâneo, subiram um lance de escadas e entraram em campo. Eles fizeram fila em frente ao banco de reservas e cantaram o hino nacional do Brasil.

A partida que começou momentos depois aconteceu em 2009, mas você nunca saberia pelas fotos. Há uma qualidade austera e monocromática nas imagens, e não apenas porque foram capturadas com uma câmera digital básica. Não há painéis publicitários e nenhuma das outras armadilhas hipercapitalistas que adornam o jogo moderno. Como resultado, parece muito com o futebol pré-guerra.

Depois, há as arquibancadas, que estão lotadas, mas estranhamente sem vida; estes parecem ser espectadores e não apoiadores. Há também uma uniformidade chocante neles, que começa a fazer sentido quando o contexto fica claro.

Uma foto, tirada antes do início do jogo, mostra um placar eletrônico obsoleto. Diz “PRK 0-0 BRA”. Isso é Coreia do Norte x Brasil.

O jogo foi disputado em Pyongyang, capital norte-coreana. A seleção da casa representava a nação mais fechada do mundo, uma ditadura militar envolta em mistério há décadas. A equipe visitante? É aí que as coisas ficam ainda mais complicadas.

A Coreia do Norte receber o Brasil no Estádio Kim Il-Sung teria sido um grande evento geopolítico. Você teria ouvido falar sobre isso se tivesse acontecido, o que não aconteceu.

Mas algo ainda mais improvável aconteceu.

O time anunciado como ‘Brasil’ era, na verdade, um pequeno clube de uma cidade satélite a 80 quilômetros a noroeste de São Paulo. Eles eram um esquadrão de jornaleiros e trabalhadores de meio período, nenhum dos quais conseguia acreditar no que viam quando saíam do túnel e olhavam para o placar.

“Ficou claro que o regime norte-coreano queria que a palavra ‘Brasil’ aparecesse ali”, diz Waldir Cipriani, um dos organizadores da partida. “Mas éramos apenas uma seleção brasileira que usava amarelo.”

O reverendo

Há quinze anos, existiam dois times de futebol em Sorocaba. O mais histórico foi o São Bento, cuja maior fama foi chegar às oitavas de final do Campeonato Brasileiro em 1979.

Seu vizinho, o Atlético Sorocaba, só existia desde o início da década de 1990 e nunca havia passado da terceira divisão nacional. Suas partidas – principalmente nas ligas regionais – raramente atraíam mais do que alguns milhares de torcedores.

Se a própria ideia de um time brasileiro jogar fora de casa contra a Coreia do Norte parece um pouco absurda, a ideia de esse time ser o Atlético Sorocaba… bem, estamos tão longe no reino do absurdo que estamos indo precisar de um mapa para sair novamente. Isso, porém, foi exatamente o que aconteceu.

Para compreender como e porquê, precisamos de recuar ao início dos anos 2000, quando o Atlético foi adquirido por um grupo de investimentos sul-coreano liderado por Sun Myung Moon – ou, para os seus amigos e seguidores, “Reverendo Moon”.

Moon foi o fundador da Igreja da Unificação, um movimento religioso que enfatizou a importância da família e proclamou o próprio Moon como a segunda vinda de Cristo. Chamar a igreja de controversa seria vendê-la abaixo do preço; a seção ‘Críticas’ de sua página da Wikipedia tem 7.000 palavras. Moon, que morreu em 2012, foi considerado culpado de fraude fiscal por um grande júri federal dos Estados Unidos em 1982, passando 13 meses na prisão.

O Atlético Sorocaba não foi a primeira incursão de Moon no Brasil. Depois de ficar desencantado com os EUA – “o país que representa a colheita de Satanás… o reino da individualidade extrema, do sexo livre” – ele adquiriu 85 mil hectares de terras no estado de Mato Grosso do Sul na década de 1990. Ele planejava criar uma comunidade modelo na cidade de Jardim, na fronteira com o Paraguai. Segundo notícias do Brasil, milhares de sul-coreanos se mudaram para a região a seu pedido.

À medida que a Igreja da Unificação se expandia, Sorocaba – a cerca de 100 km de São Paulo e com uma população de cerca de um milhão de habitantes – era vista como um ponto de partida útil. Foi Cipriani, uma figura proeminente dentro da estrutura eclesial no Brasil, quem recomendou que Moon comprasse o Atlético. Posteriormente, Cipriani tornou-se vice-presidente do clube.

“O Reverendo Moon investiu no futebol porque teve uma visão”, disse Cipriani ao The Athletic. “Ele acreditava que o futebol era a cura para o ódio humano. Ele costumava dizer que você se esquece do inimigo quando corre atrás de uma bola. Foi por isso que ele quis promovê-lo.

“Ele gostou especialmente das características do futebol brasileiro — a ludicidade, o gosto pelos dribles. Ele acreditava que o futebol brasileiro o ajudaria. Ele viu isso como uma força para a paz.”

Quaisquer que fossem as motivações de Moon, ele não poderia ser acusado de pensar pequeno. Sua generosidade permitiu ao Atlético renovar seu complexo de treinamento e o resultado foi tão impressionante que a Argélia mais tarde o escolheria como sede para a Copa do Mundo de 2014 no Brasil. O Atlético disputaria vários jogos na Coreia do Sul ao longo dos anos, apesar de sua relativa irrelevância no cenário nacional.

Coreia do Norte, entretanto? Esse foi outro nível completamente. Nenhum time de fora da Confederação Asiática de Futebol jamais jogou lá.

A abertura dessa porta do Atlético Sorocaba deveu-se, principalmente, a dois fatores. A primeira foi a qualificação da Coreia do Norte para a Copa do Mundo de 2010. Uma equipe que tinha pouca motivação para sair da bolha em 43 anos – sua participação anterior na Copa do Mundo havia sido em 1966 – agora precisava de um curso intensivo no futebol global.

“A Coreia do Norte estava interessada em adquirir experiência no futebol latino-americano”, explica Cipriani. “Houve essa pressão do governo, que queria que o time tivesse um bom desempenho no torneio. O bom desempenho da equipe seria bom para o país.

“Isso foi apenas um mês antes do sorteio final. Eles estavam tentando organizar amistosos, mas qual outro país se daria ao esforço de ir à Coreia do Norte, resolvendo todos os vistos, para 90 minutos de futebol?”

Entra Moon, cujo passado forneceu motivo e oportunidade. Moon nasceu em 1920 no que viria a ser a Coreia do Norte. Ele foi preso em um campo de trabalhos forçados norte-coreano por dois anos em 1948, só se mudando para a Coreia do Sul depois de ser libertado pelas tropas das Nações Unidas durante a Guerra da Coreia. Como resultado das suas experiências, Moon opôs-se firmemente ao comunismo – “especialmente ao marxismo ateu”, diz Cipriani – mas ainda cultivou ligações com Kim Il-sung, o líder supremo da Coreia do Norte entre 1948 e 1994.

“Aprendi com ele a essência do cristianismo”, diz Cipriani. “As pessoas falam muito sobre amar o inimigo, mas é preciso colocar isso em prática. Seu ensinamento era amar o inimigo, mas odiar aquilo que o torna seu inimigo – amar o doente, odiar a doença. O Reverendo Moon era anticomunista, mas não anticomunista.

“Quando o Reverendo Moon foi para Pyongyang, foi depois de ser convidado por Kim Il-sung, que passou 40 anos tentando matá-lo. Antes de morrer, Kim Il-sung autorizou o Reverendo Moon a construir uma fábrica de automóveis e adquirir um hotel cinco estrelas (na Coreia do Norte). Então, na prática, devido a esse relacionamento, tivemos ótimos contatos no ministério do esporte norte-coreano.”

Estas ligações deram frutos em 2009, num contexto diplomático favorável.

“O Brasil estava em período de lua de mel com a Coreia do Norte”, diz Cipriani. “Lula da Silva (presidente do Brasil na época) abriu uma embaixada lá no início do ano e o embaixador gostou do socialismo. Nunca discutimos isso porque ele nos mostrou muita hospitalidade. Deixamos de fora a política e a ideologia. Nossos objetivos eram esportivos e diplomáticos. Estávamos lá para construir pontes. Esse era o objetivo do Reverendo Moon.”

É impossível saber se o oportunismo de Moon estava verdadeiramente ao serviço da melhoria das relações entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, ou apenas parte de uma estratégia mais ampla para ele e a sua igreja. De qualquer forma, foi hora de aventura para o Atlético Sorocaba. Eles estavam indo para Pyongyang.

Cidade em preto e branco

“Eu nem sabia que existiam duas Coreias diferentes”, diz Leandro Silva com um sorriso.

Silva tinha 21 anos em 2009. Era lateral-direito do Atlético Sorocaba, um dos poucos jogadores que passaram pelas categorias de base do clube. “Rapazes simples”, Cipriani os chama.

Inicialmente, os jogadores do Atlético não sabiam que iriam para a Coreia do Norte. O plano era jogar na China e na Coreia do Sul, um pequeno passeio divertido que os ajudaria a se preparar para a temporada de 2010. A notícia de que poderiam estar fazendo um desvio chegou no final do dia; eles já estavam em Pequim quando seus vistos foram finalmente aprovados.

“Encantadora, uma novidade”, é como Cipriani descreve a oportunidade de ir a Pyongyang, mas nem todos ficaram tão entusiasmados com a perspectiva.

“Minha primeira reação foi de choque e medo”, lembra Silva. “Tentei saber um pouco sobre a Coreia do Norte, mas só consegui ver más notícias. Pobreza, falta de liberdade, escassez de alimentos… todos diziam que era um país em guerra, fortemente armado.

“Pensei no que significaria estar presente quando algo acontecesse. Pensei na minha família. Eles (dirigentes do clube) explicaram tudo aos jogadores, mas ficamos preocupados.”

A viagem a Pyongyang não acalmou exatamente os nervos. “Saímos da China neste avião… naquela coisa velha, feia e desalinhada”, diz Silva. “Você não pode imaginar o quão ruim foi. Havia malas chacoalhando na parte de trás e outras amarradas no teto do lado de fora. O avião quicou e balançou durante todo o caminho.”

Cipriani lembra de Edu Marangon, técnico do Atlético, com tanto medo que mal conseguia falar. O massagista da equipe, Sidnei Gramatico, resumiu a situação em entrevista ao GloboEsporte: “Você já viu um avião grudado com supercola? Eu tenho.”

Uma recepção gelada os aguardava no aeroporto. “Soldados por toda parte… parecia que você estava chegando a um campo de concentração”, disse Marangon à Record TV. “Foi como se tivéssemos pegado um ônibus espacial para outro planeta.”

Os jogadores e funcionários foram convidados a entregar seus dispositivos eletrônicos. Os telemóveis foram confiscados e guardados no aeroporto; laptops e câmeras foram inspecionados como se fossem bombas.

Do aeroporto, a delegação embarcou num ônibus. Destino: Mansu Hill, lar de uma estátua de Kim Il-sung com 22 metros de altura. Foi a primeira de uma série de excursões a importantes locais culturais norte-coreanos, organizadas pela ditadura. “Nosso roteiro até lá foi decidido até o último milímetro”, diz Cipriani. “Cada parte da viagem foi organizada.”

Aquela primeira passagem por Pyongyang deixou uma marca em Silva. “Parecia algo saído de um filme sobre os velhos tempos”, diz ele. “Sabe aqueles dramas de época da Netflix, com carros antigos? Era assim, uma cidade em preto e branco. Não havia cor ali.

“Havia homens agachados, fumando cigarros. Havia pessoas trabalhando nas plantações e nenhuma criança brincando. Dava para ver no rosto das pessoas que suas vidas eram dedicadas ao trabalho. Foi muito regulamentado e muito sombrio. O que vimos foi uma verdadeira ditadura.”

Os jogadores depositaram flores no monumento, deram uma breve olhada no campo onde jogariam dois dias depois e foram jantar na embaixada. Em todos os momentos, eles foram seguidos por autoridades norte-coreanas em casacos longos. “Estávamos sempre acompanhados”, diz Silva. “Não poderíamos fazer nada sem escolta. Se você fosse ao banheiro, alguém te seguiria e esperaria do lado de fora da porta do cubículo.”

Alguns dos jogadores viram o lado engraçado. Marangon, o treinador, não. Ele achou toda a experiência profundamente perturbadora. “Pedi a Deus que me deixasse ver o mar mais uma vez”, disse ele ao site brasileiro UOL. “Eu não sabia se algum dia sairia daquele lugar.”

À noite, os jogadores se acomodaram no hotel, que não era tão sombrio. “Foi de primeira qualidade, cinco estrelas”, diz Silva. “Eles preparam essas refeições especiais para nós, quase banquetes. Tentaram fazer coisas da nossa culinária: arroz, feijão. Estava muito longe da comida brasileira que estávamos acostumados, mas pudemos perceber o esforço que eles fizeram. Foi muito legal.

“Todos nós rimos muito, brincando normalmente. Os funcionários do hotel não entenderam nada do que dissemos e nós também não os entendemos. Waldir Cipriani entendeu um pouco de coreano, mas para o resto de nós houve muitas risadas. Havia também um microfone na sala de jantar e cantávamos músicas brasileiras e dançávamos um pouco. Eles iriam rir do nosso estilo de música.”

À noite, havia jogos de cartas nos quartos. Pelo menos até as 22h, quando a luz caiu, mergulhando a cidade na escuridão.

‘O Brasil está aqui’

No segundo dia, o Atlético treinou duas horas no campo artificial do Estádio Kim Il-Sung. Eles foram estudados pelos jogadores norte-coreanos e pela comissão técnica, todos sentados nas arquibancadas. Ao final da sessão, foi a vez da Coreia do Norte treinar. O Atlético não foi autorizado a assistir.

“Não tínhamos informações sobre o time que jogaríamos”, diz Cipriani. “Zero.”

Na tarde seguinte, depois de um turismo um pouco mais obrigatório (visita a um museu dedicado à luta de Kim Il-sung contra os japoneses), os jogadores do Atlético voltaram ao estádio. Lá, eles foram confrontados com cenas que teriam feito até um jogador de futebol internacional respirar fundo.

“Quando eles viram o estádio, com 80 mil pessoas dentro e mais 20 mil fora… bem, você pode imaginar a reação deles”, diz Cipriani, e embora a maioria das estimativas coloque a capacidade do Estádio Kim Il-Sung em cerca de 50 mil, isso dificilmente dilui o anedota.

“Era muita gente”, diz Silva. “Foi uma novidade para eles. Acho que foi esse sentimento de ‘Os brasileiros estão aqui, o Brasil está aqui’. Acho que eles queriam ver pessoas diferentes – pessoas de uma raça diferente, de uma cor diferente.”

Brasil, ou apenas brasileiros? Essa parte está em debate. Alguns insistem que o jogo foi, em certo sentido, “vendido” ao povo norte-coreano como um encontro histórico com a nação mais bem sucedida na história do Campeonato do Mundo.

“Acho que foi essa a história que contaram às pessoas de lá”, disse o goleiro Klayton Scudeler em entrevista à Rádio Novelo. “O estádio estava lotado por todos os lados. Acho que as pessoas pensavam que éramos a seleção brasileira e por isso estava tão lotada.”

Cipriani concorda. “Eles criaram essa propaganda política”, diz ele. “O regime queria que as pessoas vissem a Coreia do Norte derrotar o Brasil antes da Copa do Mundo.”

Outros, como Silva, são mais céticos. O certo, porém, é que as letras ‘BRA’ no placar deram à ocasião uma dose extra de prestígio.

“Quando vi o placar e olhei para nós, todos com uniforme amarelo… foi legal, mas também senti essa responsabilidade”, diz Silva. “Senti que estava jogando pela Seleção (outro nome da Seleção Brasileira). Foi uma experiência emocionante.”

Foi o mesmo para Marangon. “Tínhamos que fazer uma apresentação que homenageasse nosso país”, disse ele. “Nessa situação, éramos o Brasil.”

Para os jogadores, esse sentimento de patriotismo foi temperado pelo pragmatismo. “O Edu disse para jogarmos duro, mas estávamos brincando antes do início do jogo”, diz Silva. “Dissemos: ‘Se vencermos este jogo, talvez não saiamos daqui vivos’. Era um estádio cheio de soldados! Achamos que um empate deixaria todos felizes.”

No final das contas, eles não precisaram pegar leve. A Coreia do Norte foi melhor do que esperava.

“Não esperávamos que a Coreia do Norte fosse a melhor tecnicamente, mas eles foram muito bons”, lembra Silva. “Eles também foram muito rápidos. Eles claramente fizeram muito trabalho físico. Deviam ter treinado com os militares porque fisicamente eram muito fortes. Jogavam um futebol rápido, cada jogador dando um ou dois toques, sempre na direção do gol.”

Esse foi um aspecto memorável do jogo. Outro foi o comportamento da torcida, que aplaudiu com entusiasmo quando a Coreia do Norte tinha a bola e ficou estranhamente quieta quando o Atlético estava com a posse de bola.

“Era como se eles estivessem organizados ou controlados, como se estivessem seguindo regras”, diz Silva. “Não foi o tipo de energia que você recebe dos fãs de outros países e não foi essa grande mistura de cores. Eram todos militares, todos com uniforme verde escuro.”

Cipriani concorda. “Foi claramente obra do Estado”, diz ele. “Na Coreia do Norte, você estala os dedos e enche o estádio. Se decidir que esta escola vai mandar 50 alunos, que este sindicato vai mandar os seus trabalhadores, que outros grupos e fábricas vão fazer o mesmo… foi uma diretriz estadual para encher o estádio.

“Não houve comparação com um estádio no Brasil. Houve um silêncio mortal quando tivemos o baile. Foi como um funeral.”

O jogo terminou 1-1. Dois dias depois, durante uma refeição comemorativa em uma de suas residências na Coreia do Sul, Moon agradeceu aos jogadores pelos esforços – e pelo resultado.

“Ele disse que os norte-coreanos teriam ficado muito zangados se tivéssemos vencido”, lembra Cipriani. “Ele ficou feliz por termos empatado.”

Recon e reconhecimento

Um mês depois da viagem do Atlético a Pyongyang, o Brasil foi sorteado no mesmo grupo da Copa do Mundo que a Coreia do Norte. Uma história que circulava na imprensa local ganhou circulação nacional.

Todos os principais jornais brasileiros entraram em contato com Marangon, Cipriani e os jogadores. O mesmo aconteceu com o técnico brasileiro Dunga e sua equipe técnica.

“Eles não sabiam absolutamente nada sobre a seleção norte-coreana”, diz Cipriani. “Não houve informação. O Brasil estava preparado para enfrentar a Coreia do Norte e o Atlético Sorocaba sabia mais do que eles.”

Silva relembra esse período com muito carinho. “Meu telefone tocou fora do gancho”, diz ele, rindo. “As pessoas queriam saber sobre seus melhores jogadores, seu nível técnico, suas táticas. O fato de termos ido lá acabou sendo um grande problema.

“Quando a Copa do Mundo começou eu recebia muitas mensagens de amigos e familiares. ‘Você jogou com eles, certo?! Isto é tão legal!’. Lembro-me de assistir ao jogo (Brasil x Coreia do Norte) e dizer aos meus amigos: ‘Marquei aquele cara! Eu estou com a camisa dele!’. Foi muito gratificante.”

Nos anos que se seguiram, o Atlético fez mais três viagens à Coreia do Norte: a seleção principal visitou em 2010 e 2011, e os sub-15 participaram de um torneio juvenil em 2015.

“Era diferente a cada vez”, diz Cipriani. “Mas (na segunda visita) eles perceberam que não estavam jogando contra a seleção brasileira, apenas contra um pequeno clube do estado de São Paulo com um uniforme amarelo fora de casa.”

Cipriani deixou o clube em 2014. Dois anos depois, com o apoio financeiro da Igreja da Unificação esgotado após a morte de Moon, o Atlético Sorocaba faliu, deixando para trás apenas memórias surreais.

“Ainda tenho a camisa da Coreia do Norte daquele jogo – a número dois, do lateral-direito”, diz Silva. “Me ofereceram muito dinheiro por aquela camisa, mas não vou vendê-la. É importante para mim, histórico.

“Vou guardar essas memórias para sempre. Foram momentos muito especiais na minha carreira. Existem tantos jogadores e times famosos no mundo que nunca fizeram o que fizemos. Estou muito orgulhoso disso.”

Postscript

O jornalista brasileiro Renato Alves visitou a Coreia do Norte em setembro de 2017. Ele estava lá para pesquisar seu terceiro livro, O Reino Eremita. Ele foi levado em uma viagem de propaganda de 10 dias e foi acompanhado por três guias em todos os lugares.

Um dos pontos turísticos de seu itinerário foi o Arco do Triunfo, uma enorme estrutura que imita o marco parisiense de mesmo nome. Parado no topo do monumento, um dos dirigentes que acompanhava Alves apontou para o Estádio Kim Il-Sung, a poucos passos de distância.

“Neste estádio, o nosso eterno presidente fez o seu primeiro discurso depois de libertar o povo coreano dos imperialistas japoneses”, disse ele.

“Ah, e foi lá também que o Brasil jogou contra a nossa seleção nacional de futebol. Você deve ter ouvido falar dessa partida. Foi muito bom. Eu estava lá.”

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